Projeto piloto no Distrito Federal
Mais uma comprovação da importância do cirurgião-dentista nas unidades de tratamento intensivo. Desde 2016 o Hospital Regional de Ceilândia (HRC) apresenta índice zero de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) em pessoas internadas na UTI Adulto.
O resultado é consequência do trabalho multiprofissional iniciado há seis anos. O serviço teve como foco a saúde bucal dos pacientes em estado crítico. O modelo foi estendido em setembro de 2017 para as demais unidades da Secretaria de Saúde que contam com UTI.
O cirurgião-dentista, Marcos Barbosa Pains, primeiro profissional da área a atuar no serviço rotineiro, explica que o trabalho iniciou com a identificação de quadros infecciosos de difícil tratamento. Mesmo com a aplicação de diversos recursos terapêuticos as infecções eram persistentes. “Com a avaliação odontológica identificamos problemas graves de saúde bucal. Após o diagnóstico os pacientes foram submetidos ao tratamento e apresentaram melhora significativa do quadro clínico. Pacientes mais graves receberam alta, em média, após 4 dias de tratamento.” explica do Dr. Marcos.
"Com a avaliação odontológica identificamos problemas graves de saúde bucal"
Dr Marcos Pains Tweet
Mais de 1 ano sem pneumonia
A redução dos casos de PAV foi possível por meio da intervenção odontológica nos pacientes em UTI. A grande maioria fazia uso regular de respiradores artificiais, mas, com o tempo, notava-se colonização excessiva de bactérias na cavidade oral. Durante o processo de oxigenação, essas bactérias alcançam o pulmão, causando graves infecções.
Antes do projeto de implementação da Odontologia Hospitalar, o HRC apresentava uma taxa de infecção (que é o número de pacientes com pneumonia em um dado período dividido pelo número de dias em ventilação mecânica x 1000) na casa de 8. Segundo Pains, logo após o início do programa o índice caiu para 1,33.
Nos demais anos os valores foram 3,78 (2012); 1,87 (2013); 4,21 (2014); e 1,82 (2015). No primeiro semestre de 2016, a média alcançou 1,1. Desde julho do mesmo ano não houve mais casos até a última estatística, atualizada até julho de 2017, somando 13 meses sem qualquer registro.
Estatísticas da Anvisa mostram que 33% dos pacientes de UTI que desenvolvem essa infecção evoluem para óbito. Um episódio de PAV, além de prolongar o tempo de internação em aproximadamente 12 dias, aumenta os gastos com recursos e uso de antibióticos.
Custo ou economia para os cofres públicos?
Cada dia de internação na UTI custa, em média, R$ 3.972,87, completou o Dr. Pains. Essas ações, buscam reduzir a colonização de bactérias acelerando a rotatividade dos leitos e diminuindo o uso de antibióticos.
Percebe-se uma redução do tempo de internação, em média, por paciente em PAV, em até 5 dias. Esse impacto gera uma economia direta, média, de R$ 20 mil por paciente. Sem considerar as medicações de alto custo, como antibióticos, para debelar infecções mais graves.
Se o salário de um cirurgião-dentista, segundo a Secretaria de Estado de Fazenda do DF gira em torno de R$ 6 mil mensal, a economia para um hospital com uma equipe de 6 dentistas, 40 leitos, poderá superar a casa de R$ 200 mil mês. Esse cálculo foi feito considerando apenas 10 pacientes com PAV, assistidos por uma equipe de 6 dentistas em 30 dias corridos.
O serviço de Odontologia não se restringe ao controle da PAV
Se os esforços fossem concentrados apenas no controle da pneumonia, o serviço de Odontologia Hospitalar já se pagaria com folga!
A rotina é diária. Todos os pacientes da UTI são avaliados. Após análise pela equipe, um cirurgião-dentista habilitado realiza a modulação do Biofilm Oral, extrações, restaurações, diagnósticos de lesões em tecidos moles e nas estruturas ósseas. Além disso, a rotina prevê o treinamento, orientação e assessoria da equipe de enfermagem na condução do protocolo de higienização bucal.
Há também infecções relacionadas à falta de cuidados bucais. Estas podem ser prevenidas com o trabalho dos dentistas, como os abcessos, endocardite e a periodontite. O risco de infecção generalizada nesses casos está associado às intervenções tardias.
O cirurgião-dentista também contribui com a equipe médica no diagnóstico de doenças causadas por fungos (candidíase) e/ou vírus (herpes).
Atualmente, no Distrito Federal o cirurgião-dentista compõe o corpo clínico de todas as unidades de terapia intensiva dos hospitais públicos. Essa determinação é assegurada na LEI Nº 5.744, DE 09 DE DEZEMBRO DE 2016 e publicada em 19 de dezembro do mesmo ano.
Extensão para outros hospitais da rede
Há previsão de estender o serviço para outros hospitais. A Secretaria de Saúde atenderá a resolução RDC 7 da Anvisa, seja por cursos internos ou concursos na área. (leia mais sobre a capacitação dos dentistas no GDF)
A formação exigirá temas como farmacologia, abordagens multiprofissionais, rotina no atendimento odontológico na UTI, doenças infectocontagiosas, protocolos de higienização bucal na UTI, entre outros.
O projeto é de extensão do benefício para todos os demais hospitais da rede que possuam leitos de UTI. Os seguintes hospitais contarão com atendimento odontológico: Asa Norte, Base, Materno Infantil, Taguatinga, Santa Maria, Sobradinho, Paranoá, Gama, Samambaia e Ceilândia.
Investimento na capacitação profissional
Aluno da primeira turma do CEMOI, Dr. Marcos Pains conta que apesar de já ter uma relativa experiência na área anteriormente, o curso de habilitação em Odontologia Hospitalar acrescentou consolidou a prática clínica.
“A rede de contatos que é criada durante o curso demonstrou ser um diferencial para debates de casos clínicos. Além do fato de termos uma certificação reconhecida pelo Conselho. Isso tudo faz com que o gestor hospitalar enxergue o cirurgião-dentista de uma outra forma”, comenta.
Oportunidade
A rotina do dentista diariamente na UTI acaba mudando positivamente a mentalidade de todos os profissionais da unidade. “O trabalho é feito em equipe e a presença do cirurgião-dentista é essencial, já que o nosso trabalho vai muito além da higiene bucal”, defende Marcos. (Leia mais sobre o crescimento da atuação de dentistas nas UTIs brasileiras)
A Odontologia Hospitalar é uma área em franca expansão, e no Distrito Federal isso é uma realidade. “Nossos pareceres em ambiente hospitalar, principalmente, em UTIs auxiliam em muito a equipe médica, aos gestores e os cofres públicos” complementou.